O professor explica como examinar os alunos e as instituições de forma eficaz e comenta sobre os atuais métodos avaliativos

Existe uma discussão no setor educacional acerca da efetividade dos sistemas de avaliações tradicionais. O método de testar os estudantes e somente atribuir notas, apesar de ajudar a entender a qualidade do processo de aprendizagem, nem sempre é suficiente para uma avaliação integral, que permita ao aluno avançar. Fabrício Garcia, professor e sócio-fundador da plataforma Qstione, falou sobre o assunto no quinto episódio do MiraTalks.

O podcast é realizado pela Mira Comunicação em parceria com a Carijó Filmes. Os episódios são lançados toda primeira segunda-feira do mês e abordam temas relacionados à comunicação, empreendedorismo, inovação e educação, com convidados especializados na área.

Feedback e apoio aos estudantes

Um dos principais problemas com o sistema de avaliação tradicional é a limitação dos professores em fornecer feedbacks e ajuda aos discentes. Como docente, Fabrício sentia dificuldade em oferecer uma resposta mais técnica e completa quando o aluno tinha um resultado negativo.

“A minha resposta comum era a que todo professor dá: ‘dedique-se mais, estude mais’”, comenta. “Só que eu fui percebendo que quando você tem um resultado negativo e o professor lhe dá uma resposta genérica como essa, isso pode ser até um fator que desestimula o estudante a seguir. Como é que você fala ‘estude mais’? Será que o cara já não estudou muito? Será que ele não passou o dia trabalhando e perdeu a noite estudando para tentar ter um bom desempenho na avaliação?”, questiona.

O artigo “Useful Feedback, More Than Praise, Helps Students Flourish”, publicado na revista Scientific American afirma que um feedback mais detalhado e personalizado é muito mais útil e eficiente do que somente um encorajamento. “Receber apenas elogios pode ser enfraquecedor porque limita o potencial de aprendizagem e crescimento”, afirma a autora Camilla Mutoni. Por outro lado, apenas criticar o trabalho do estudante sem oferecer orientações para que ele possa melhorar também não é eficaz. Os professores devem orientar os alunos sem esquecer de apontar seus erros quando necessário.

Avaliações internas e externas

Outro assunto abordado foi o diferente papel das avaliações internas, como as provas periódicas feitas pelos próprios educadores da instituição, e as externas, como o Enem e o Enade. Fabrício acredita que as primeiras são as mais importantes, porque podem ser funcionais para entender o desempenho de cada aluno, docente, turma ou curso. “Elas identificam gargalos internos que as avaliações externas não são capazes de revelar”, comenta o professor.

Afinal, exames como o Enade apresentam um resultado com base em certos critérios, mas não indicam exatamente como é possível melhorar o problema. “É como você receber o diagnóstico de uma doença, perguntar ao médico qual é o remédio e ele dizer ‘não sei’. Aí você vai fazer o quê?”, ilustra Fabrício. “Eu costumo dizer que as avaliações externas servem como auditoria pedagógica. Elas dão uma visão bem ampla de onde pode estar o problema, mas são as pequenas avaliações realizadas internamente que vão identificar mais precisamente isso”, finaliza.

Porém, os exames não resolvem tudo. Sem uma construção curricular adequada e uma boa cobertura desse currículo, não é possível avaliar corretamente os alunos. Segundo o educador, um currículo escolar é um conjunto de descritores que informam o que deve ser ensinado e em qual ordem, visando nortear o processo de aprendizado. “Se você não tem isso bem estruturado, eu vou avaliar o quê?”, diz ele.

A tecnologia na educação

Fabrício também comentou sobre a correta utilização dos recursos tecnológicos no ambiente escolar. A própria Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) sugere cautela com o uso de tecnologia nas escolas. O órgão afirma que deve haver mais atenção aos resultados do aprendizado do que aos artifícios utilizados. Nem todo aparelho digital traz benefícios para a instituição de ensino e, se não houver os devidos cuidados, essas ferramentas podem até mesmo prejudicar o desempenho estudantil.

De acordo com o professor, muitas empresas de tecnologia se preocupam mais com a apresentação grandiosa do produto do que com sua base pedagógica. “Muita gente está entrando no setor de tecnologia educacional sem estudar a educação. A tecnologia é um meio, não o fim”, afirma. Assim, é preciso ter cuidado com as “modinhas” tecnológicas, como o metaverso ou os óculos de realidade virtual, e pensar qual será o resultado prático disso.

“Você não pode inventar coisas que fogem muito da lógica do professor”, continua Garcia. “Se você cria uma ferramenta radical que muda tudo, vai ser difícil para aquele profissional se adaptar”. Afinal, o setor educacional costuma ser muito resistente a mudanças. As transformações precisam acontecer, mas em um ritmo que acompanhe o processo de adaptação e não descarte o que está funcionando.

Gostou desse assunto? Confira o texto do último episódio do Mira Talks para conhecer mais sobre outros temas abordados no podcast.